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Diário de Viagem: De Birigui a Palmas de carro - Parte 01

Ponte Fernando Henrique Cardoso em Palmas - Um Asno
Assumi um desafio que tem consumido muito do meu tempo e isso impõe prioridades fazendo com que o blog, minha terapia pessoal, fique em um plano secundário. No domingo passado deixei a cidade de Birigui aproximadamente às 5h30 e cai na estrada rumo a mais brasileira de todas as capitais do país: Palmas. Repeti nessa viagem a missão de Colombo. Vim como o explorador que busca conhecer a região e ver suas potencialidades de negócios e posso afirmar que atingi meu objetivo: encontrei a Índia e a Amárica ao mesmo tempo. Contudo, a maior parte da aventura foi mesmo o itinerário!

Para deixar o estado de São Paulo, escolhi a rota da Elyeser Montenegro saindo de Araçatuba em direção a Iturama-MG. De Iturama segui para Prata, minha primeira parada onde pude provar os sabores marcantes daquele estado. Como aquela gente sabe combinar sabores! De Prata segui para Goiânia e ai começou o pesadelo nas estradas. É claro que sou uma das pessoas que mais respeitam os caminhoneiros pelo fardo que carregam em sua profissão e admiro a cortesia de muitos, mas também tenho de reconhecer que uma parcela expressiva não passa de ogros habilitados. A serra é um ambiente que exige veias congeladas para quem pretende dirigir durante muitas horas e nem é preciso reiterar recomendações de atenção e cuidado. Não há escolhas!

Goiânia, assim como Anápolis, é uma cidade espetacular e eu não poderia desconsiderar o potencial de negócio das duas. Fiz minha exploração de modo rápido e retornei a minha rota inicial indo parar em outra cidade singular que nem imaginava existir. Pirinópolis é de longe um dos mais aprazíveis destinos turísticos que já conheci no Brasil, mas minha missão não me permitiria deter-me naquele município. Apenas atravessei a cidade sem ao menos registrar a beleza de sua arquitetura e as curiosidades locais como o Museu da Moto. Foi na metade do caminho para a cidade de Jaraguá que quase desisti da viagem!

A estrada reserva aos seus viajantes um jogo mórbido. Faz a gente lembrar dos velhos tempos do Atari e de games toscos como Enduro e Grand Prix (os tataravós do Need for Speed). É macabro, mas a ultrapassagem nas estradas, sobretudo em serras, mesmo quando se tratam das irregulares, tem suas regras próprias que não sendo obedecidas levam a fatalidades ou prejuízos. Nas estradas de Goiás vi de tudo, até bunda! Um esquisito em um sedã em alta velocidade ultrapassava os outros carros com um lesado expondo o enorme e feio traseiro na janela do passageiro. Levei um puta susto! Ultrapassagem em faixa contínua é uma regra e é preciso que antecipemos as intenções dos outros motoristas porque um vacilo nos coloca em rota direta um com o outro. No total, fui lançado para o acostamento seis vezes para evitar colisão com carretas ou caminhões. Nem sempre isso acaba bem para um motorista de veículo pequeno como o meu. Em uma curva descendente e para evitar um agravo maior acabei sendo exposto a outro enorme perigo nessas estradas e o maior temor dentre todos os outros: o buraco.

O buraco na estrada, pequeno, mas profundo é o mais ardil dos inimigos dos motoristas. Basta que o pneu de seu carro a 80 km/h encontre com esse rasteiro carrasco para que você se recorde de sua insignificância. Não fui lançado na ribanceira (ao menos dessa vez!), mas parei muito próximo da queda. No pequeno espaço onde ficamos confinados eu e o carro, desci para avaliar a situação e constatei uma roda amassada e um pneu destruído. "Saí no lucro!", pensei... Tirei o macaco e o estepe do porta malas e iniciei a frustrante tarefa de trocar um simples pneu. Como uma tarefa simples pode ser tão frustrante numa hora dessas. Depois que tirei o pneu, descobri que a roda do estepe que era diferente das demais serviria apenas para substituir os pneus traseiros, o que não me era muito útil naquele momento. Qual solução? Ora, devolver o pneu furado ao seu lugar e remover um traseiro para depois substituí-lo. Aí começou a baixaria!

Malditos macacos que vem junto com o veículo. Um conselho: quando comprarem um carro substituam o macaco por um que preste! Quando o macaco elevava o veículo quase na altura adequada a troca, devido a inclinação do local à beira do precipício, o carro começava a deslizar sua traseira assumindo uma posição diagonal e perigosa. Tentei outras posições com o macaco apenas aumentando o perigo de queda. Como a lógica é matreira... Seria necessário que um segurasse o veículo e outro trocasse o pneu com um macaco que não inclinasse e é assim que nos vem aqueles momentos que rimos de nós mesmos porque nenhum cristão parava para prestar socorro, mesmo que eu saltasse no meio da pista. Recordei amargamente do episódio quando despenquei vinte e sete metros na serra catarinense em pleno temporal de 2008.

Depois de meia hora implorando socorro uma carreta parou do lado oposto e dela desceu Silvio, um jovem e cortes motorista que seguia viagem com destino a Buenos Aires. Logo ele constatou o óbvio: aquele macaco era imprestável para a ocasião, porém o macaco que ele trazia na carreta era muito mais alto e não entrava embaixo do carro, mas a divina providência age das maneiras mais excêntricas às vezes. Não gastamos mais que dez minutos em nossa análise daquela anomalia quando outro carro parou cerca de 30 metros com o mesmo problema! Desceram do carro o motorista Lourival, o Sr. José, sua esposa e a sobrinha Lais e se dispuseram a emprestar o macaco depois que trocaram o pneu deles. Novamente, mais uma situação cômica!

Foram necessários dois para trocar o pneu e eu para segurar o carro impedindo que o mesmo descesse a serra sem mim! Ao final, terminou tudo muito bem. Desejei boa viagem aos meus novos amigos e recobrei um pouco da minha confiança nos companheiros da estrada. Deixei que partissem primeiro porque meus braços estavam ardendo por causa da força que tive que fazer para não deixar o carro cair. Não posso me esquecer de registrar que caindo ele, eu iria por baixo! Já estava muito escuro quando saí daquele lugar e voltei a dirigir em direção a próxima cidade porque não tinha mais disposição naquela noite. Qual não foi a minha surpresa ao ver meus salvadores, a família do Sr. José, parados novamente cerca de dois quilômetros abaixo.

Desta vez eles não tinham outro estepe e era eu quem devia ajudá-los. Levei o Sr. José, sua esposa e a sobrinha com os dois pneus furados até um posto dezesseis quilômetros a frente deixando o Lourival para trás no carro. Lá conhecemos o outro lado da simpatia humana. O borracheiro cobrou trinta reais por conseguir desentortar as rodas, mas obviamente não conseguiu consertar o meu pneu. Ficamos sabendo que o famigerado buraco já está perto de comemorar seu primeiro aniversário e tem rendido ao menos dez clientes por dia ao borracheiro. Cinicamente ele afirmou que até pensou em ir ele mesmo fechar o dito cujo. Retornei com o Sr. José e os dois pneus para resgatar o Lourival, deixando as mulheres no posto.

Esperei até que o carro deles se colocasse em movimento e segui-os até o posto novamente e então prossegui na 153 e isso já havia me atrasada até perto das 23h. Sem condições físicas para continuar e sem disposição para procurar hotel na cidade de Jaraguá quando lá cheguei, optei por pernoitar em um motel a beira da estrada o que me custou mais 70 reais por apenas seis horas. Foi a noite num motel mais estranha da minha vida: setenta reais pra desmaiar num colchão grande demais para uma pessoa só! No outro dia decidi entrar na cidade e procurar outro borracheiro e morri com mais 200 reais na compra de um pneu novo. Somando ao concerto do radiador, R$ 160,00, mais o alinhamento, balanceamento e cambagem, R$ 100,00, meu orçamento começava a se tornar outra incômoda preocupação.

Curti mais um pouco do desconforto da BR-153 até Paraíso do Tocantins de onde parti em direção a Palmas. Ao todo viajei 1.786 km e meu corpo já parecia se sentir integrado ao interior do veículo, resistindo bravamente a qualquer movimento que indicasse minha intenção de deixar o carro. Foi maravilhoso ver a ponte Fernando Henrique Cardoso e divisar a linda cidade repousando solene abaixo do paredão de rocha ao fundo do cenário. Dirigi-me logo a quadra norte para localizar um hotel dentro de meus limites monetários e logrei sucesso rapidamente. Minha semana estava apenas começando e já era segunda-feira à noite.

Continuo...

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