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Fortalecer um Partido é Atrofiar a Criatividade Individual

Simone Spoladore - A Memória que me contam - Um Asno
Começo a encerrar minha participação na internet. Tenho cerca de 20 ou 30 esboços de textos que provavelmente jamais terminarei, mas acho que o que escrevi já é mais do que o suficiente. Escreverei a partir de agora os meus últimos artigos para alegria geral da nação de "Anônimos". Assisti recentemente ao filme "A memória que me Contam", dirigido por Lucia Murat que conta uma história baseada em suas próprias experiências com sua velha amiga Vera Silvia Magalhães. Nada tenho para comentar sobre o elenco ou sobre as atuações de Irene Ravache, Simone Spoladore e o gigante Franco Nero, mas o filme é um convite a reflexão da história recente do nosso país. Sobretudo, quando muitas "crianças" tentam a todo custo fabricar memórias ou inserir sentido e justificativas onde elas não são concernentes. Meu primeiro contato com o "Manifesto Comunista" se deu quando eu tinha 13 anos e aos 14 eu já era fã de Bakunin. As coisas faziam sentido naquele contexto e naquele momento em que eu não sabia o que fazer com o vazio que abarrotava a mente imatura de um adolescente (Sacaram! Vazio, preencher!).

Dos meus treze anos até os vinte minha compreensão da história era completamente seletiva, pouco analítica e sempre inspirada por figuras elevadas a uma categoria de heróis e gigantes morais. Desconhecia o sentido real do "Idiota Útil" de Antonio Gramsci, desconhecia a completa biografia de Júlio Prestes que mais tarde iria juntar os pedaços ouvindo dele mesmo em fartas entrevistas e documentários que eu nunca me dei ao trabalho de pesquisar. Não achava necessário. Desconhecia a atuação de Bertolt Brecht durante os célebres Processos de Moscou e fechava os olhos para os desapontamentos com a falta de sincronia dos discursos e até para as monumentais aberrações que o regime comunista impunha as populações dominadas. Não entendia de fato qual era o objetivo da "ocupação de espaços" que sempre permeava os discursos durante as reuniões, mas pouco a pouco fui percebendo o quanto meu ego ia vagarosamente se diluindo num plasma amorfo chamado de partido.

Hoje ainda ouço garotos se esbofeteando verbalmente e condenando aos outros que não aderem ou não se comprometem plenamente com "a causa". É a mesma ladainha, o mesmo filme ciclicamente repetido. A mesma conversa mole que acaba desaguado em enxurradas lamacentas de puro fascismo e alienação em prol do fortalecimento de um coletivo. Não somos abelhas, não somos formigas e nem ao menos nos organizamos em cardumes. Não há nada de errado quando pessoas com interesses comuns se unem a outras em forma de partidos, facções, grupos, etc. O perigo é justamente quando dentro desses grupos destacam-se seres iluminados (indivíduos), aos quais o restante acaba se submetendo por que existe uma "causa maior" em jogo e daí suprimem-se os outros brilhos do grupo. Não é de hoje que partidos tem estuprado suas ideologias convencidos por certas lideranças de que esse é o melhor caminho para se chegar ao poder.

O próprio partido PCdoB reduziu-se a um esbirro do seu grande aliado que lhes reserva apenas o que existe de pior em sua agenda. Pior... Aqui mesmo onde ainda moro 80% dos novos afiliados do partido desconhecem completamente a ideologia comunista e nem de longe pretendem se aprofundar. Seus objetivos são outros: ocupação de espaço e conquista de cadeiras legislativas para pressionar uma participação efetiva no governo local em nome da "representatividade". Atualmente, para um partido, eu como indivíduo sou essencial para promovê-lo, defendê-lo e dedicar cada fôlego meu no fortalecimento da legenda, mas é a liderança, e não eu, quem decide. Parecem se esquecer de que foi um indivíduo que fez nascer toda a ideologia que seguem até hoje. A fidelidade partidária não significa que o indivíduo esteja alinhado as ideias do grupo. Isso não acontece há décadas. Toda legenda vem sendo reduzida a um balcão de negócios.

O filme de Lucia Murat é bom por que estimula diversos questionamentos existenciais e nos permite discutir a construção das gerações desde o Maio de 1964. É um filme de sensações e sua principal beleza se encontra nas várias perguntas lançadas e não respondidas no decorrer da narrativa. Um grande debate, eu diria, é o que o filme poderia provocar em mentes mais leves. O debate seria bom, sobretudo, por que fica evidente à esta altura que a saída encontrada por quem se alinha a este tipo de ideologia que mata a criatividade e esfarela o brilhantismo individual é a convocação popular para corroborar suas decisões. Ignorando que aos que compõem a massa a compreensão do debate é apenas superficial e então eles conseguirão o que querem e esse é o perigo: conseguir o que se quer.

Não deixem de considerar que quando Gramsci e Marx escreveram suas inspiradoras obras nenhuma experiência havia ocorrido de fato e as convicções de que suas propostas eram o melhor caminho jamais seriam postas à prova para eles. Se Gramsci estivesse vivo hoje, teria vergonha do que inspirou. Quase toda a América Latina tem muito o que celebrar e agradecer a Gramsci, pois eles conseguiram colocar seus ensinamentos à prova e alcançaram o poder, mas ele não está aqui para conferir o mal que o afrouxamento moral pode causar em uma população. Em pleno século 21 ainda estamos longe de sermos uma comunidade no melhor sentido da palavra. O ódio ainda está muito presente entre irmãos e tende a aumentar se não for combatido por princípios mais sublimes do que aqueles "pensadores" imaginavam objetivando apenas o poder. A cartilha do franzino comunista ensinava que seria necessário infiltrar lenta e gradualmente a ideia revolucionária (omitindo-se que isso estava sendo feito), optando-se pela via pacífica, legal, constitucional ao invés do levante com armas. Isso é bonito e completamente aceitável, mas o truque é sempre fascinante quando a plateia desconhece a artimanha do mágico. Era necessário entorpecer consciências e massificar a sociedade com uma propaganda imperceptível de maneira que o objetivo seria atingido pela utilização de dois expedientes distintos: a hegemonia de pensamento e a ocupação de espaços.

A melhor parte de sua contribuição consiste na criação de uma mentalidade uniforme em torno de determinadas questões, fabricando uma percepção do que é correto ou não, segundo um ponto de vista primário que deveria se estender a todos. Ao longo do tempo isso eliminaria qualquer resistência. Como Gramsci afirmava que isso deveria ser realizado? Primeiro a partir de diretrizes indicadas pelo Intelectual Coletivo (o partido, a facção, etc), que as disseminaria através dos Intelectuais Orgânicos (formadores de opinião, jornalistas, professores e universitários). Tudo para se alcançar o que Gramsci denominava superação do senso comum. É desse modo que cada um de nós passa a repetir, sem uma barreira analítica, as opiniões que já vêm cozidas no forno ideológico do partido. Senso comum e "causas nobres" levaram ao Holocausto e a Revolução de 1964. O senso comum já nos conduziu a odiar os norte-americanos e a amar Fidel Castro e Hugo Chavez. O senso comum já nos arrastou ao conceito de que o terrorismo se justifica e já nos colocou contra as polícias de um modo geral.

É enganosa toda a ideia de que só o Estado pode resolver nossos problemas e é exatamente dessa maneira que nossa carga tributária vai ultrapassando a linha da obesidade mórbida. A crença equivocada de que o homem é um fruto homogêneo de seu meio permite que tais coisas aconteçam e daí revela-se que é a crença que nos leva a respondermos ao meio. O correto é que devemos estar convictos de que somos nós que alteramos o meio. Nós somos os agentes que mudamos o mundo que nos cerca e influenciamos o resto e não o contrário. A fidelização a ideias partidárias (frações de pensamento humano) nos conduz exatamente a fôrma do meio que nos cerca e afasta nossa visão de nós mesmos forçando-nos a olhar apenas a nossa volta. Basta observar que as grandes realizações, aquelas que realmente nos servem para algo, foram idealizadas por indivíduos e que muitas vezes contaram com as oposições de múltiplos coletivos. A história está repleta de nomes que agigantam e enobrecem a raça humana e não de siglas. Raramente se registram grandes feitos de legendas, senão quando são siglas de partidos terroristas como o IRA, o ETA, as FARC, etc.

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