Adeus a um Guardião Silencioso da Prevenção de Perdas
![]() |
Edvaldo Francischini |
Um agente de Prevenção de Perdas, por excelência, é um guardião dos bastidores — alguém treinado para enxergar o invisível, antecipar os riscos, proteger o patrimônio e preservar os resultados. É aquele que percorre os corredores do varejo, da indústria ou da logística como um sentinela atento, sempre disposto a mitigar danos, evitar desperdícios, corrigir falhas, proteger pessoas e empresas do que poderia se tornar uma tragédia financeira ou moral. Sua missão é nobre, estratégica e essencial.
Mas há uma ironia dolorosa escondida nessa nobreza silenciosa: muitos de nós, ao dedicarmos nossas energias para prevenir as perdas dos outros, acabamos negligenciando as nossas próprias. Enxergamos com precisão cirúrgica os riscos que rondam o negócio, mas não percebemos — ou fingimos não perceber — os riscos emocionais que se acumulam dentro de nós mesmos.
Escutamos o desânimo nos outros, mas silenciados por uma cultura de resiliência forçada, nos calamos quando o desânimo é nosso. Aplicamos protocolos e análises sofisticadas para controlar rupturas operacionais, mas ignoramos as pequenas rupturas que se insinuam na nossa alma.
Prevenir perdas é, em essência, um ato de zelo. Mas o zelo, para ser pleno, precisa incluir o agente. O humano por trás do crachá. O pai, o filho, o amigo, o companheiro que também sente, que também carrega dores, que também enfrenta noites insones, que também precisa de cuidado.
Infelizmente, em nome da produtividade, da competência ou do "espírito de liderança", muitos profissionais aprendem a mascarar suas fragilidades com uma armadura de eficiência. E nessa tentativa de parecer forte, tornam-se vulneráveis ao tipo mais silencioso de perda: aquela que o consome por dentro.
Nosso amigo, infelizmente, foi um desses casos. Um guardião de tantos, mas desprotegido de si mesmo. O nome dele agora ecoa na memória de todos que com ele trabalharam, aprenderam, sorriram. Um profissional incansável, que via nas entrelinhas dos processos as lacunas onde as perdas nasciam e, nas entrelinhas da alma humana, as dores que raramente alguém tem coragem de confessar.
Ele nos deixou — tragado pela depressão, esse mal implacável que se instala no silêncio e age quando todos acham que está tudo bem. Escolheu encerrar seu ciclo pelas próprias mãos. Por isso, junto com ele, algo se rompe em todos nós.
Fica difícil escrever esse texto sem sentir o peso de cada palavra, como se fossem pedras sendo carregadas uma a uma até o alto de uma montanha de tristeza. Mas é necessário escrever. Por ele, por sua família, por todos os que ainda resistem em silêncio e, por todos nós que o amamos, mas talvez tenhamos falhado em enxergar o grito sussurrado atrás de um sorriso cordial.
Lembro aqui um artigo publicado há alguns anos em meu blog, intitulado "Um olhar sobre a polêmica do Desafio da Baleia Azul". Lá, eu refletia sobre o suicídio não como resultado de uma influência pontual, mas como o desfecho de um acúmulo de dores, angústias e silêncios não ouvidos.
Reforço ali, e aqui também, que a depressão não é tristeza passageira, não é “frescura”, não é fraqueza. É uma doença brutal, muitas vezes silenciosa, que mina o sentido da existência como o cupim que se esconde dentro da madeira — até que tudo colapse. O suicídio, para quem chega a esse ponto, não é covardia: é o grito final de alguém que já não consegue suportar a própria dor.
Ninguém, absolutamente ninguém, está imune.
Há muitos fatores que convergem como correntes subterrâneas para esse abismo: solidão, problemas conjugais, pressões financeiras, traumas afetivos, dependência química, bullying, timidez patológica... E, em especial, a depressão — o câncer da alma.
A família, nesse momento, precisa mais de acolhimento do que de explicações. Não há respostas que consolem. Não há lógica que apazigue. Há apenas o amor que continua. Que permanece. Que resiste mesmo quando a vida já não está mais presente fisicamente. A vocês, o nosso abraço mais apertado, sincero e respeitoso.
Aos amigos, que como eu, estão tentando digerir o impossível, deixo um apelo: olhem para os seus ao redor com mais profundidade. Sejam atentos. A dor nem sempre grita — às vezes ela sussurra no canto da sala, no olhar distante, no "está tudo bem" dito rápido demais.
E se você, que está lendo isso, sente que há uma sombra pesada demais em sua vida, fale. Peça ajuda. Procure um profissional. Ligue para o CVV – 188. Não lute sozinho. Você ainda tem muito para viver. Você ainda pode vencer isso. Você importa.
A partir dessa despedida ao nosso amigo, que aprendamos a abrirmos os olhos, os ouvidos e o coração.
Que ele descanse. Que ele saiba que foi amado. Que sua memória nos inspire não apenas a sermos profissionais melhores, mas humanos mais atentos à dor alheia — e à nossa própria.
Descanse em paz, guerreiro Edvaldo Francischini. O mundo ficou mais pobre com sua partida. Mas, que sua história nos enriqueça com lições de empatia, cuidado e humanidade.
Com todo o pesar, mas também com toda a esperança,
Academia Luminaris – Canal de Prevenção de Perdas
#PrevençãoDePerdas #SaúdeMental #Luto #DepressãoNãoÉFraqueza #CVV188 #Despedida #EmpatiaSempre
Nenhum comentário:
1 - Qualquer pessoa pode comentar no Blog “Um Asno”, desde que identifique-se com nome e e-mail.
a) Em hipótese alguma serão aceitos comentários anônimos.
b) Não me oponho quanto à reprodução do conteúdo, mas, por uma questão de responsabilidade quanto ao que escrevo, faço questão que a fonte seja citada.
2— Não serão aceitos no Blog “Um Asno” os comentários que:
1. Configurem qualquer tipo de crime de acordo com as leis do país;
2. Forem escritos em caixa alta (letras maiúsculas);
3. Estejam repetidos na mesma ou em notas diferentes;
4. Contenham insultos, agressões, ofensas e baixarias;
5. Reproduzam na íntegra notícias divulgadas em outros meios de comunicação;
6. Contenham links de qualquer espécie fora do contexto do artigo comentado;
7. Contenham qualquer tipo de material publicitário ou de merchandising, pessoal ou em benefício de terceiros.