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A Pandemia e o Sepultamento do Jornalismo Brasileiro

Coronavírus e o Sepultamento do Jornalismo Brasileiro - Blog do Asno
Eles já foram capazes de lançar luz sobre as sombras da confusão e da ignorância. Redundantemente esclareciam, elucidavam, influenciavam e eram um nobre instrumento no processo de dissipação da mediocridade. Desde o início da década de 1980 eles se tornaram meus melhores amigos inspirando meu olhar através de vários pontos de vista. Entusiasmavam-me com seus artigos, crônicas, releases, comentários e opiniões. Eu devorava cada notícia e opinião como ração indispensável para a minha sobrevivência. Bem cedo me senti convidado a me tornar um jornalista, embora, ciente de que jamais seria capaz de me aproximar daquele padrão que eu considerava impecável. Nunca passou pela minha cabeça a insolência de me apresentar como um par margeando a grandeza que eu os atribuía. Para mim era como desafiar o Olimpo em desmedida arrogância.

Acontecimentos significativos foram se sucedendo ao longo dos anos e uma a uma aquelas fontes de informação límpidas e imaculadas foram secando e, como os peixes, apodrecendo primeiro pela cabeça. Os deuses se embriagaram demais com a própria empáfia e revelaram-se demasiadamente humanos. Não foram capazes de disciplinar suas próprias ideias e a nobreza do seu ofício em fornecer informações precisas e acessíveis. Viram a própria imagem refletida no espelho da admiração pública como uma ratificação de sua divindade e decidiram mudar os rumos da história agregando interpretação mundana às informações que transmitiam. A catástrofe tornou-se inevitável.

Por um tempo eu culpei o Partido dos trabalhadores por ter introduzido no país a ideia maniqueísta do "Nós contra Eles", mas na verdade o PT era apenas o portador do discurso. Quem disseminou a ideia e elevou-a à categoria de pensamento foram os jornalistas brasileiros. Já existia uma batalha de egos camuflada antes da ascensão do PT ao poder, porém aquele período fez cair todos os véus e de lá para cá o que temos é a quebra de braço entre os "especialistas de lá" contra os especialistas de cá", ambos absurdamente errados. Nós, os comuns, ficamos expostos a esse conflito e sucumbimos a confusão.


O jornalismo morreu no Brasil. O que vemos agora é uma caricatura do ofício que outrora era o único investido da confiança geral quando o assunto era a apresentação de fatos, notícias, análises ou críticas. A competição com outros meios de veiculação de informações como a internet expôs a fratura e forçou uma transformação no modo como se apresentavam as peças jornalísticas, outrora mais elaboradas e que, acima de tudo, preservavam os princípios norteadores do trabalho técnico e fiel à observância dos valores éticos. Atualmente os grandes influenciadores atuam sempre com uma intenção de atacar ou contra-atacar a quem está em um suposto outro lado ou que manifesta um pensamento diferente. O roto desvia o olhar de suas vestes e aponta os defeitos do maltrapilho.

A profissão ficou comprometida e agora são raras as notícias ou análises que não estejam contaminadas pelo tráfico de influências e pela relação promíscua com fontes desqualificadas de informação. Não se abordam os fatos com o cuidado e responsabilidade que qualquer tema, sensível ou não, deveria receber por parte de jornalistas e empresas midiáticas. A investigação competente perdeu sua importância no jornalismo nacional e cedeu espaço para as apurações rasas sem a busca de confirmação e sem contextualização.

O que esses profissionais jogaram lixo, sem possibilidade de reciclagem, reflete diretamente na sociedade e, além de produzir mais buracos na sua credibilidade, favorece o crescimento das fake news e boatos que provocam prejuízos sociais graves e irreversíveis. O jornalismo brasileiro, antes farol contra o obscurantismo, misturou-se a escória preguiçosa de pensadores de botecos e tornou-se representante de todas as mediocridades. Agora temos mais especialistas em quaisquer tipos de assuntos do que se necessita e a confusão só aumenta. Jornalistas pagam de médicos, engenheiros, cientistas, economistas e seja lá mais o que for! Tudo demonstrado com eloquência e convencimento e muito pouco pudor ou arrependimento quando suas opiniões são flagradas inexatas. Erros não são admitidos nem retratados.


Apostam na memória curta do público. Propositalmente as notícias são elaboradas com foco nos efeitos selecionando as palavras, trocando a ordem dos acontecimentos, omitindo detalhes, acrescentando interpretações e manipulando, camuflada e criminosamente, as opiniões e decisões do público que imita e compartilha sua decadência. Por causa dessa prática do jornalismo brasileiro fica impossível florescer um debate saudável através da proposição de argumentações lógicas. Com esse comportamento do jornalismo assassina-se a disposição de se ouvir explanações logicamente construídas. Ao invés disso esse o nosso jornalismo fomenta o rancor, o ódio nas avaliações, produz-se um indivíduo apegado incondicionalmente à sua própria verdade ou de uma unidade sectária com a qual se identifica.

Há décadas temos percebido esse declínio na qualidade do jornalismo brasileiro e a catástrofe global causada pelo Coronavírus tem a qualidade de transformar
esse mundo completamente de maneira permanente. Ainda que a crise da pandemia seja contida dentro de alguns meses, o seu legado permanecerá conosco por anos ou décadas. O que aprenderemos com essa pandemia irá mudar o modo como nos movemos, como trabalhamos, como aprendemos e até como nos relacionamos. Inevitavelmente não podemos nos iludir e acreditar que tudo retornará a uma normalidade como antes. Isso não acontecerá!

Nesse momento em que estamos prestes a conhecer nosso adversário em sua mais violenta expressão é a oportunidade para calarmos nossos ouvidos para os ruídos inúteis das redes sociais, das ideias profundamente toscas e de tudo o que não é essencial para nossa existência. Ao invés de desperdiçarmos nosso tempo com compartilhamentos inócuos é momento de construirmos redes saudáveis de informação e apoio aqueles que nos são mais próximos. Mais do que nunca, precisamos abandonar o supérfluo e abraçar o autêntico.


Nenhum de nós realmente sabe quanto tempo essa crise vai durar e o quanto ela irá nos afetar. Muita gente ainda não compreendeu o fato de que o mundo já mudou e nossa rotina foi agressivamente transformada. Rebelar-se contra isso não irá amenizar os efeitos da mudança forçada que temos de nos submeter. Os sábios verdadeiros são aqueles que sabem abraçar o opróbrio e reconhecem na calamidade uma grande professora.

Quanto ao jornalismo, esse irá se reinventar, apresentar roupas novas e nos convencer de que foi sempre o nosso melhor aliado, quando na verdade a desunião da categoria, a falta de ética dos profissionais e o silêncio dos que podiam parar esse movimento em direção ao abismo foram os responsáveis pela confusão instalada na mente dos comuns e o atraso ao qual estamos condenados todos juntos.

O jornalismo é uma profissão antiga e que já superou as mais variadas crises sempre ressurgindo mais forte, inclusive, por causa delas. Não será assim desta vez... Que a mesma maldição que recaiu sobre os professores que ensinaram menos do que poderiam não recaia também sobre os jornalistas que não usaram seus talentos para dissipar o fumo da ignorância em nosso país. Que os véus insistentes que desejam remover da nossa face sejam antes removidos das suas próprias e que consigam trazer para as futuras gerações algo melhor do que trouxeram no último século.

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