Uma análise do caso Gilmar X Lula
Abaixo, transcrevo trechos do artigo do jornalista Eugênio Bucci. Ele escreveu vários livros, entre eles o melhor sobre
ética na imprensa já publicado no Brasil, Sobre Ética e Imprensa
(Companhia das Letras, 2000).
Este artigo, publicado no dia 31 na excelente seção de Opinião do Estadão, foi um dos mais sensatos e equilibrados sobre o episódio Gilmar Mendes x Lula. Seu título original vem abaixo:
Chocante é o que foi falado em público
(...)
O que os dois estão falando em público é muito mais perturbador do
que poderiam ter falado ali, a portas fechadas, longe dos holofotes.
Vamos, então, às falas.
Com a tese do “golpe”, Lula está acusando reiteradamente o STF de ter dado acolhida a um processo fajuto
O ex-presidente vem repetindo a todas as plateias que o mensalão foi
uma grandessíssima “farsa”, articulada num conluio entre setores da
imprensa e da oposição, com o objetivo de arrancá-lo do poder, em 2005,
por meio de um “golpe” sem armas.
Com isso – deveria ser óbvio, mas parece que não é – Lula está
acusando reiteradamente o STF de ter dado acolhida formal a um processo
fajuto, baseado em fatos que nunca ocorreram, um processo que seria o
prolongamento maldito da “farsa”.
Atenção: ele não ataca apenas o Ministério Público e a Polícia
Federal, ataca também e principalmente o Poder Judiciário em sua mais
alta Corte, que seria cúmplice de uma tentativa de golpe de Estado. Em
vez de pedir um julgamento justo e desapaixonado – a exemplo do que têm
feito os próprios acusados -, o que seria legítimo e adequado, Lula
fustiga: esse processo não passa de uma falsificação de fato e de
direito.
Com isso desqualifica a Justiça.
A ponta de lança de um discurso corrosivo
Essa postura vem de tempos. Mais abertamente, vem pelo menos desde
2010. Numa entrevista a blogueiros, ainda instalado no Planalto, Lula
caracterizou o mensalão como uma “tentativa de golpe”. E prometeu:
“Depois que eu deixar a Presidência, vou querer me inteirar um pouco
mais disso, mas, como presidente, não posso ficar futucando”.
Em outro evento, como este jornal (Estadão) noticiou em 20 de novembro de 2010,
o então presidente anunciou que a partir de janeiro de 2011 iria
empenhar-se em “desmontar a farsa do mensalão”.
E assim tem sido. Agora, em 21 de maio, ao ser homenageado na Câmara
Municipal de São Paulo, ele voltou a falar do caso como um movimento
golpista: “Na verdade, era um momento em que tentaram dar um golpe neste
país”.
As palavras de Lula encerram o significado de Lula. Ele representa,
hoje, a ponta de lança de um discurso corrosivo que acusa o STF de ter
recebido como processo jurídico normal uma repugnante tentativa de golpe
de Estado.
Quando um magistrado da Corte Suprema bate boca, o Estado de Direito bate os dentes
Por isso Gilmar Mendes cometeu um erro ao ter dito sim ao convite
para se reunir reservadamente com Lula, justamente aquele que enuncia
publicamente uma acusação peremptória contra o STF.
Depois, Mendes incidiu num segundo erro, que é pior. Falou várias
vezes a repórteres sobre seu diálogo com Lula e a cada nova manifestação
vem subindo o tom, numa escalada que amedronta. Chegou a dizer que Lula
está ligado a “moleques”, “bandidos” e “gângsteres”, que se teriam
associado numa operação para desmoralizá-lo.
Aí, complica. O ministro tem o direito – e talvez o dever – de dizer o
que ouviu de Lula numa reunião particular. Só não deveria partir para o
desaforo. Quando um magistrado da Corte Suprema bate boca, o Estado de
Direito bate os dentes.
Naquele dia 26 de abril, num escritório brasiliense, pode ter havido
uma conversa grave, mas o cenário que a envolve, e que é público, é mais
grave ainda.
Tão grave e tão claro que nos cega e nos deixa paralisados.
Eugênio Bucci é jornalista, é professor na
Universidade de São Paulo e na Escola Superior de Comunicação e
Marketing, também em SP.
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