POR FLAVIO MORGENSTERN
Existe algo mais grotesco do que a recente definição da
Secretaria de
Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República de que a
“classe média” brasileira ser agora composta por quem tem renda entre
R$
291 e
R$ 1.019 familiar
per capita?! Por que afirmar uma sandice
dessas? Ora, APENAS para dona Dilma, em auto-elogio na
The Economist,
poder encher a boca dizendo que moveu
40 milhões de pessoas para a
“classe média”. Com carga tributária de mais de
35% do PIB, não é
exatamente com R$291 por cabeça que um governo pode se considerar
protetor dos pobres, ainda mais com o tanto que o michê dos políticos
aumentou neste mesmo período… Já foi dito:
é possível provar qualquer
coisa com números. Ocasionalmente, até mesmo a verdade. Ademais, como
assim isso saiu de uma “Secretária para Assuntos ESTRATÉGICOS… da
Presidência”?!
Há algo filosoficamente perigoso aí. A elogiadíssima teoria da
justiça de John Rawls afirma que é pior viver numa sociedade em que
todos ganhem R$100 do que em uma em que alguns poucos ganhem R$110. Por
outro lado, Rawls crê que economicamente há situações-limite, em que o
desnível afete a própria manutenção do sistema e, sobretudo, a vida de
indivíduos particulares ─ como uma pobreza absoluta ─ e aí seria mais
justo taxar os ricos apenas para uma distribuição de renda mais
balanceada. Por exemplo, se alguns vivem abaixo de um limite de,
digamos, R$90, enquanto outros vivem com R$3 mil, métodos como o
“imposto de renda negativo” (criação liberal) devem ser empregados, pois
esta sociedade já seria menos justa do que uma em que todos ganhem
R$100. No entanto, seria o único caso em que uma intervenção estatal
econômica se justificaria, e em que tal equalização forçada se torna
mais justa do que um igualitarismo em que todos são pobres (como definia
Murray Rothbard, se todos são igualmente pobres, a igualdade não pode
significar justiça).
Mas Robert Nozick, em seu essencial “Anarquia, Estado e Utopia”
(livro que deveria cair num “vestibular” para alguém ter direito a ser
deputado), vai mais a fundo. Além de definir qual distribuição de renda é
mais justa na sociedade, faz uma pergunta basilar para a política: QUEM
recebe esse dinheiro? Uma sociedade em que ladrões e médicos recebem
igualmente R$100 não é justa, e também não será se ambos receberem
R$5000. O mais justo, obviamente, é que o bom comportamento profissional
e interpessoal seja recompensado. É preferível que um cirurgião receba
R$5000 e um assassino receba o suficiente para sua recuperação na
cadeia. Lembrando de uma frase de Nicolás Gómez Dávila, tolerar não
significa esquecer que aquilo que toleramos não merece nada além de
tolerância. Colocados os dois modelos (de Rawls e Nozick) lado a lado,
creio não ser necessário definir qual acho mais aprofundado. Agora
lembrando Joseph Sobran, a igualdade de bens nunca pode ser conquistada
sem uma monstruosa desigualdade de poder político.
É exatamente o problema com o lulismo, escancaradíssimo nessa
entrevista com o
Ratinho. Além da mistureba numerológica e também de
direitos constitucionais para se auto-afirmar (sendo que não permitiria
que seus adversários fizessem, nem pela metade), esquece-se do
principal: em seu modelo, é necessário que os burocratas, lobistas,
facilitadores e propineiros ganhem muito mais do que os médicos, os
vendedores, os engenheiros e todos aqueles que fazem a economia, na
prática, funcionar. É uma verdadeira oclocracia, um sistema em que
apenas a corrupção, a bazófia e a confusão entre o público e o privado
são recompensados. Não apenas economicamente: se alguém esbulha as leis
em público como ele o faz nesta entrevista, ganha votos para seu
candidato. É algo além da política: já atingiu o próprio eixo de valores
e conhecimento brasileiro.
Em resumo, o problema não é nem Lula, individualmente (graças a seu
ego mais faminto que um buraco negro), rir sozinho da Constituição no
programa do Ratinho. O problema é que o sistema de governo que ele prega
EXIGE que ele tome tais atitudes. Afinal, foi assim, com promessas e
generalismos posteriores, que Lula construiu seu carisma. E apenas de
carisma vive o petismo. Apenas atacando seus adversários burlando as
regras, não apenas constitucionais, mas até mesmo de cortesia e
civilidade, é que Lula pode ser o que é. Sem um
Plano Real, uma
Lei de
Responsabilidade Fiscal (coisas que o Lula era contra) e com um
mensalão, um
Francenildo e um
Celso Daniel nas costas, como Lula poderia ser político sem borrifar a
patifaria na cara do brasileiro no programa do Ratinho como fez?
"POR FLAVIO MORGENSTERN"
ResponderExcluirParei de ler aqui.